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Pepitas

Pepitas de Natal: um garimpo na memória

Chegava dezembro, minha mãe nos chamava para abrir um armário esquecido no corredor e pegar pepitas escondidas: caixas de bolas, pingentes, luzes e a árvore desmontada.

Em seguida, levávamos tudo para a sala, montávamos e enfeitávamos a árvore, ao som da música clássica que ela colocava às alturas.  Demorávamos horas.  Pendurávamos uma estrela, nos afastávamos para ver se estava bem colocada, mudávamos de lugar.   Fazíamos pausas para beber água, ir ao banheiro, dar um telefonema, comer um biscoito.  Aquele era um momento sem pressa.  

Depois, era a vez do presépio.  Mamãe colocava uma tábua de madeira sobre uma mesa desdobrável, para servir de base do cenário.  Em seguida, buscava um balde cheio de areia natural, separado de véspera, e cobria a madeira com ela.  Enquanto isso, minhas irmãs e eu tirávamos os personagens da caixa, envolvidos em papel de seda.  Nós desembrulhávamos um por um, com a delicadeza de quem desembrulha uma joia.  Posicionávamos as peças sobre a areia e recompúnhamos, juntas, a cena do nascimento de Jesus.

Comprávamos presentes escolhidos a zelo para pessoas queridas e os deixávamos ao pé do pinheiro.  A mesa da cozinha se enchia de castanhas, nozes.  A geladeira ficava entupida de bacalhau, cerejas, fios d´ovos. 

Quando finalmente chegava o grande dia, era uma verdadeira festa.  Família grande reunida, alegria, conversas, mimos, amigo-oculto, comida boa.

A hora de dormir era ainda mais mágica.  Custávamos a pegar no sono.  Mamãe esperava a madrugada, abria a porta de nosso quarto bem devagar para espiar se estávamos dormindo.  Assim que ouvíamos o ruído da maçaneta, nos ajeitávamos depressa e ficávamos de olhos fechados, imóveis.  Ela entrava pé ante pé e colocava os embrulhos no chão.  Se fizesse algum barulho, parava e só voltava a se mexer quando confirmava que ninguém tinha despertado.  Saía sorrateira e nós nos mantínhamos quietas, em cumplicidade.  Após um tempo, acabávamos dormindo e, no dia seguinte, acordávamos ansiosas para abrir os presentes.

Já adultas, até o último Natal em que cada uma de nós, irmãs, moramos com nossos pais, mamãe seguiu todo ano a entrar em nossos quartos, pé ante pé, e deixar presentes ao redor da cama.  Mantínhamos os olhos fechados, fazendo de conta que dormíamos.  Jamais romperíamos aquele encanto.  

Agora vejo com clareza que a fonte daquela magia era o amor inesgotável que minha mãe derramava na ida até o armário esquecido, na busca dos enfeites, na montagem do presépio, na escolha dos presentes, no preparo das comidas, no pouso em nossos quartos, nas orações do dia seguinte. 
Hoje, sou eu que derramo o meu amor em cada gesto compartilhado com as minhas filhas.  Entro no quarto delas para espiá-las dormir, respiro fundo, espalho presentes ao redor da cama, e agradeço a existência daqueles três sonhos personificados: Clara, Maria e Ana – as pepitas mais valiosas da minha vida.  Juntas, recompomos a prova de que milagres existem.

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